É tempo de NOT ALL TAILS

São talentosos, carismáticos, empenhados e não vão parar por aqui.

Not All Tails é um manifesto entre nem tudo serem fantasias (tales), nem todos sermos seguidistas (tails): uma alternativa musical à irreverencia passiva. O Vasco da Gama (voz, guitarra e vocoder), a Sofia Lourenço (voz e teclado), o Daniel Tércio (bateria, samples e voz), o Nuno Camelo (teclados e voz) e o Pedro Fidalgo (baixo) são os responsáveis por este projeto musical. Em dezembro de 2021 editaram o primeiro álbum de originais em formato digital – “No More Time” – através do qual os Not All Tails criam o seu próprio mecanismo de manipulação do tempo. O ponto de partida? 24 horas diárias não são suficientes para alguém tentar ser o que não é. O ponto de chegada? Todo o tempo que não é investido a cumprir sonhos é tempo perdido. Pelo meio, algumas reflexões sobre efeito inibidor do fardo das expectativas; sobre o efeito anestesiante da prevalência do documentar sobre o sentir; sobre a desproporção entre a vasta amplitude do querer e a curta satisfação do conseguir.

Mais de cinco décadas antes, em 1966, o Porto inaugurava, na Ruade Costa Cabral, o Cinema Estúdio,que ascendeu ao sucesso nos anos 70 e foi vencido pelo esquecimento e encerramento do final dos anos 80. Depois de mais de 30 anos de portas fechadas, o espaço acaba de ser integralmente remodelado e rebatizado Sala Estúdio Perpétuo.

Os Not All Tails escolheram estrear este recinto icónico da cidade para, a 21 de maio de 2022, lançarem o formato físico CD do álbum “No More Time”, e darem a conhecer novos trabalhos em curso.

O público recheia a imponente sala, revestida a saliências e reentrâncias de tijolo nu, com as confortáveis cadeiras vintage e o solo em soalho.

Os músicos sobem ao palco em vestes monocromáticas, para que a sua presença não crie distrações. A complexidade do set up afirma que um concerto de estúdio também pode ser um concerto de estádio: kit completo de bateria analógica e digital, três canteiros de teclados, guitarras, baixo, incontáveis microfones, luzes programáveis, efeitos esfumados, tela de projeção iluminada com o logotipo da banda, cabos e mais cabos bem seguros com fita adesiva, amplificadores, colunas, mesas de controlo, e uma equipa roadies e técnicos qualificados e atentos. Se é para ser, é como deve ser.

O tema título do álbum, “No More Time”, inicia-se com o sampler de um discurso acompanhado por um vídeo com legendas sincronizadas sobre imagens de relógios frenéticos. Os instrumentos e vozes cortam a mensagem com elegância, e a música flui, estruturada, sem nenhum detalhe deixado ao acaso, envolta nos teclados, soprada pelo respirar da percussão, e transportada pela voz firme do Vasco. Segue-se “Unnoted” com um beat de reagee e um xadrez vocal que começa com uma voz e vai dobrando para duas, em jogos de alternância que conseguem ser imprevisíveis sem perder a cadência. O baixo do Fidalgo desenha o caminho, a guitarra lidera, e a audiência segue o refrão “you just don’t know”.

Tucmi” exige uma afinação prévia e solta uma fragrância a blues, enriquecida pela bateria criativa do Tércio, e sublinhada pelo coro de “take me higher”. “Ashes” conta com uma projeção de imagens que a ilustra em modo de uma curta metragem. O tema evolui de uma base de sussurro acústico para uma manta de pachwork instrumental, bordada a ponto de cruz pela voz na borda de cada som.

Awakening” desbrava um novo caminho no low tempo de 125 bpm, com o Tércio a jogar às escondidas com loops e percussão, numa evocação jazzística. A transição para “Reverie” fica a cargo dos teclados do Camelo que se alongam, num balancear feliz de altos e baixos, consciente do respirar. As sequências imagéticas da projeção que acompanha a música são tão hipnóticas como a melodia.

Numa curtíssima pausa, o Vasco sorteia animadamente um CD e merchandising entre o público, e anuncia “M3llow”. O groove da soul e os filtros de voz são tão irrepetíveis como os olhares que se multiplicam, dividem e distorcem na tela de fundo, e a música vai seguindo o seu curso para um desfecho imprevisível, com a Sofia a cintilar. A dois temas do fim há que agradecer a presentes e ausentes, e apresentar cada um dos músicos, sob enxurradas de palmas.

“Heavenly Space” desabrocha como um sorriso, e é uma grande, grande, música, inevitavelmente comparável a “Heavenly Father, e interpretada com uma maturidade que a faz crescer até à apoteose. “1604” faz as honras de encerramento, uma balada etérea e sonhadora onde os teclados do Camelo dialogam com o Vasco, cada um deles reclinado numa corda do baixo do Fidalgo, e ambos embalados pela bateria do Tércio e soprados pela brisa de doçura da Sofia.

Um fim que é um início, porque os Not All Tails têm encore duas surpresas: dois novos temas do próximo álbum, que denotam uma libertação do conceptualismo de “No More Time” e a temeridade de desbravar caminhos cada vez mais exigentes e consistentes.

Os Not All Tails celebraram a materialização de “No More Time” em CD e a devolução da Sala Estúdio Perpétuo à cidade com pompa e circunstância, honrando a música como uma das mais importantes manifestações artísticas da civilização. Provêm da linhagem Bon Iver, Son Lux, Arcade Fire, Sigur Ros, Public Service Broadcasting mas também Bob Marley e Stereolab, e sobretudo do que eles próprios construíram com esses caldeirões de influências. São talentosos, carismáticos, empenhados e não vão parar por aqui.

Texto: Ana Cristina Carqueja (Imagem do Som)

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